Paralisações, greves e outros
movimentos reivindicatórios de corporações militares era algo
considerado inconcebível. Mas no mês de junho de 1997, foi deflagrado o
primeiro e maior movimento de paralisação da história do país.
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Greve da PM de Minas Gerais em 1997. |
ANÁLISE - A GREVE NAS POLÍCIAS MILITARES:
Evolução e Perspectivas
André Luís Woloszyn,
Analista de Assuntos Estratégicos, Pós–graduado em Ciências Penais e Criminologia,
especialista em terrorismo (EUA), diplomado pela Escola Superior de Guerra
As paralisações de 1997
Paralisações, greves e outros
movimentos reivindicatórios de corporações militares era algo
considerado inconcebível. Mas no mês de junho de 1997, foi deflagrado o
primeiro e maior movimento de paralisação da história do país
protagonizado por efetivos das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares que reivindicavam melhorias salariais e condições de
trabalho. A crise teve início na Polícia Militar de Minas Gerais, uma
das mais conceituadas do país, pela insatisfação em seus quadros
(sargentos, cabos e soldados) com o aumento diferenciado oferecido pelo
então Governador Eduardo Azeredo (PSDB) aos Oficiais daquela corporação.
Com a morte de um Cabo da PMMG, que integrava a paralisação,
atingido por disparo de arma de fogo em confronto com colegas de farda,
o movimento recrudesceu causando um efeito dominó que atingiu 19
estados (AC, AM, BA, CE, GO, MG, MS, MT, PA, PE, PB, PI, RJ, RN, RS, RO,
SP, SC, e SE).
As ações se caracterizaram por
paralisações, passeatas e atos de vandalismo contra viaturas e
equipamentos. O Exército passou a patrulhar as ruas no intuito de
garantir a lei e a ordem em um quadro que apresentava insegurança
crescente e beirava o caos social. Com mortos, feridos e o índice de
violência avançando consideravelmente, as paralisações começaram a
desencadear efeitos negativos na opinião pública que apoiando o
movimento aguardavam que as autoridades governamentais solicionasem a
crise atendendo o pleito ou resolvendo a situação de outra forma. As
vésperas das eleições federais e estaduais (1998), e pressionados pelos
efeitos políticos negativos da greve nas campanhas eleitorais, a maioria
dos governadores iniciaram uma série de negociações com os comandos de
greve que eram apoiados pela Central Única dos Trabalhadores – CUT a
qual aventava a possibilidade da sindicalização das PMs.
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A greve da PM do Ceará e Corpo de Bombeiros daquele estado em Dezembro - Janeiro 2012 |
Acordos foram firmados com as Associações no sentido da não
responsabilização penal e disciplinar dos grevistas e concedidos abonos e
índices de aumento salarial aquém das expectativas, levando-se em
consideração a insuficiente dotação orçamentária dos estados. A maioria
dos envolvidos retornaram a seus ritmos normais de trabalho e algumas
das PMs (AC, BA, MS, PB, PE, RN, RS, e SP) ainda permaneceram
mobilizadas aguardando o oferecimento de vantagens financeiras maiores
do que as prometidas, situação que nunca ocorreu.
A crise acabou revelando ao país
de maneira mais ampla as dificuldades socioeconômicas enfrentadas pelos
profissionais deste segmento da segurança pública ao mesmo tempo em que
compeliu autoridades governamentais a iniciativas destinadas a agilizar
a tramitação e a conseqüente aprovação de medidas de reestruturação e
de modernização r as políticas para o setor.
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Invasão do Quarte general do Bombeiros no Rio de Janeiro em Junho de 2011.
Posteriormente TODOS foram anistiados pelo Congresso Nacional. |
As conseqüências
Ao analisarmos todo o contexto
que envolveu o movimento grevista de 1997 pode-se afirmar que as
reivindicações da categoria pouco ou nada avançaram além de ganhos
pontuais. As Corporações encontram-se, na atualidade, no mesmo status de
antes das paralisações de 1997. Algumas das promessas evoluíram como a
elaboração da PEC 300 (que trata de uma matriz salarial única para as
PM com base nos vencimentos e salários da PM do Distrito Federal) mas
acredito que mesmo aprovada, não deverá ser cumprida pelos Estados pela
mesma razão já alegada.
Os episódios serviram
principalmente como bandeira de campanha a partidos políticos e
principalmente para na eleição de policiais militares que comandaram os
movimentos, à cargos parlamentares. Muitos, a exemplo do Cabo Júlio
César Santos, bombeiro militar de Minas Gerais foi eleito deputado
federal em 1998, reeleito em 2002 e dede 2009 é vereador em Belo
Horizonte com expressiva votação. Considerando o fato de que em alguns
estados a categoria representa de 37% a 42% do eleitorado e, em todo o
Brasil, soma um efetivo variável entre de 350 a 400 mil homens e
mulheres.
Além das poucas conquistas
coletivas, o movimento deixou marcas profundas nas Instituições
policiais militares resultado da quebra de princípios essenciais da
disciplina e da hierarquia, criando e fortalecendo ressentimentos
classistas que perduram até hoje.
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Greve da PM de Minas Gerais, em 1997. PM ferido entre troca de tiros com tropas da própria PM. |
Os movimentos de 2010 e 2011/12
Treze anos após a maior
paralisação, em junho de 2010, aproximadamente 400 bombeiros militares
do Estado do Rio de Janeiro se amotinaram invadindo o Quartel do Comando
Central da Corporação, danificando veículos, equipamentos, instalações e
impedindo o atendimento à população num movimento que reivindicava
novamente melhorias salariais e condições de trabalho. O episódio se
espalhou rapidamente pelas redes sociais e ganhou apoio de Corporações
congêneres em outros estados, de parlamentares e da população em geral.
Os grevistas foram presos por determinação da Justiça Militar pela
prática dos crimes de motim e dano ao patrimônio público. Por meio de
intensas negociações receberam “Habeas Corpus” impetrado por um grupo
de deputados federais e posteriormente a anistia administrativa de parte
da Assembléia Legislativa daquele estado. Ainda em 2010, o Senado
Federal aprovou a Lei nº 10.191, que concedia anistia geral aos
bombeiros grevistas do Rio, extensiva a oito estados (RN, BA, RR, TO,
PE, MT, CE e SC) cujos efetivos haviam participado da paralisação de
1997 e prestado apoio na greve de 2010.
Em 29 de dezembro de 2011, a
greve ocorre na Polícia Militar e bombeiros militares do Ceará. O
efetivo, reivindicando aumento salarial e condições de trabalho,
negou-se a realizar o patrulhamento ostensivo e impediu que viaturas
deixassem os quartéis sendo necessário o emprego do Exército com apoio
da Força Aérea e da Força Nacional de Segurança Pública. Parte do
comércio e das escolas fecharam suas portas por medo da violência e a
capital cearense ficou deserta em determinados horários. A greve durou
cinco dias e o governo do estado cedeu as exigências concedendo o
aumento pretendido com a promessa de anistia aos grevistas, que
retomaram a suas atividades em 04 de janeiro de 2012.
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Conflito entre PM e Policia Civil na frente do Palácio Morumbi, sede do governo paulista, em 2008. |
Perspectivas
Movimentos desta natureza no
âmbito das Polícias Militares já se tornaram rotina e ocorrem com
desrespeito as normas constitucionais, a legislação vigente e uma
afronta aos princípios da disciplina e da hierarquia. O atendimento
parcial das reivindicações de parte dos governos somados a anistia
concedida aos comandos de greve contribui para reforçar a importância
destes movimentos e serve de exemplo para que outras instituições
procedam da mesma forma. Não há dúvidas de que as reivindicações são
por demais justas uma vez que as PM estão dentre as poucas
instituições do estado nas 24 horas do dia junto a população e em
locais em que o poder público nunca esteve presente.
Mas não é concebível que uma
Instituição de natureza militar, que se destina a cumprir e fazer
cumprir as leis, possa desrespeitá-las mesmo sob os mais nobres
pretextos, igualando-se aqueles a quem combate diuturnamente, como
também não é que os vencimentos de seus profissionais se igualem
aqueles.
Neste contexto, a maior parcela
de responsabilidade é dos governos que não tratam a questão com a
devida importância fomentando, mesmo que de forma indireta, a
proliferação de movimentos desta natureza. Os problemas salariais e
estruturais destas instituições permanecem inalterados e a tendência é
que as paralisações se repitam em determinados intervalos de tempo,
quando a situação ficar insustentável novamente.
Fonte: DefesaNet