Enquanto o estado de São Paulo prepara venda de helicóptero, governador do Rio mantém sete aeronaves e usa modelo de luxo para se deslocar para o trabalho e viajar com família e empregados nos fins de semana
Dez quilômetros separam a residência de Sérgio Cabral, no Leblon, do Palácio Guanabara, em Laranjeiras. O caminho considera as ruas da Zona Sul do Rio. Diariamente, no entanto, o governador opta por outro caminho, como revela a edição de
VEJA desta semana: percorre três quilômetros até a Lagoa, escoltado por três blindados e oito motocicletas, e de lá sobrevoa o engarrafamento em um dos helicópteros do estado, até chegar à sede do governo estadual. No início da tarde do último dia 20 de junho, o governador chegou ao heliporto da Coordenadoria Adjunta de Operações Aéreas (Caoa), na Lagoa, e embarcou com um segurança e um ajudante de ordens exatamente às 12h51. Voou para o gabinete e, de lá, acompanhou a maior manifestação da história recente do Brasil – deflagrada por uma insatisfação popular com a má qualidade e o alto custo do transporte público. A reportagem de VEJA percorreu o trajeto de carro, sem batedores: os sete quilômetros foram percorridos em doze minutos.
Atualmente o governo do estado do Rio tem sete helicópteros à disposição dos gabinetes do Poder Executivo. Além de Cabral, o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, já em campanha para o governo em 2014, secretários e até o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Melo (PMDB) voam com frequência quase diária.
A estrela da ‘esquadra fluminense’ foi adquirida em outubro de 2011: o Agusta AW109 Grand New, comprado por 9.732.934 dólares (o equivalente a 15.233.015 reais, à época). Para os entendidos em aviação, trata-se de uma limusine do ar, segura e confortável, a ponto de ser a preferida de Eike Batista e outros bilionários.
No mercado de táxi aéreo, o aluguel do Agusta custa 9.500 reais por hora. “Como o estado opera uma aeronave própria, pode-se dizer que o custo operacional fica 30% mais barato”, afirma o dono de uma empresa que aluga o Agusta para turistas abastados. Estima-se, então, que o custo operacional da aeronave para o contribuinte fluminense é de cerca de 6.000 reais por hora de voo, ou 312.000 por mês. Ou ainda 2,8 milhões anuais. Se considerado este padrão de gasto, uma ida e volta do governador ao trabalho consome 6.000 reais, ou 2.181 passagens de ônibus (de tarifa a 2,75). Os fins de semana em Mangaratiba saem por 54.000.
O Agusta é o favorito também da primeira-dama. No hangar que atende à família, corre a história de que ele só foi comprado porque Adriana Ancelmo não gostou do modelo EC-135, um dos mais novos e modernos bimotores da frota – também com custo da hora de voo em torno de 9.000 reais. “A Adriana não gostou do EC-135. Por isso, o governador comprou o Agusta e deixou esse para o Pezão”, conta um piloto lotado na unidade.
No dia seguinte ao protesto que reuniu 300.000 pessoas no Rio de Janeiro contra o preço das passagens de ônibus, Cabral voou novamente às 10h15. O helicóptero retornou à Lagoa às 10h32 e, quatro minutos mais tarde, a primeira-dama chegou escoltada por seguranças. Exatamente às 10h46, ela, dois filhos, duas babás e um cachorrinho de estimação decolaram. Destino: Mangaratiba, na Costa Verde, onde a família tem uma mansão de veraneio. Uma semana depois, dia 28 de junho, Adriana, as crianças, as babás e o mesmo cãozinho embarcaram no Agusta às 11h19, de novo rumo ao Litoral Sul, apesar do mau tempo. “Pode estar desabando o mundo que eles voam para Mangaratiba todo fim de semana”, diz um funcionário do heliponto.
Voar com essa frequência é para poucos. E custa caro. O governo de São Paulo – o estado mais rico do país – está acertando os detalhes da venda de um de seus dois helicópteros ainda este ano. Uma licitação ou concorrência pública deve arrecadar, segundo estimativa do Palácio dos Bandeirantes, cerca de 2,5 milhões de reais ao se livrar da aeronave, além de todos os custos com a manutenção, combustíveis e a operação de voo – um gasto de cerca de 4,5 milhões de reais por ano. A venda é parte do esforço para conter despesas e amortecer o impacto do subsídio que o orçamento paulista terá de prover para manter passagens de metrô e trem em 3 reais, em vez de 3,20. São Paulo, capital com o mais extenso e caótico trânsito do país, passará a ter, então, um helicóptero para o governador, secretários e emergências envolvendo o Poder Executivo.
No momento, esta não é uma preocupação do governo do Rio. Ao longo das últimas três semanas, a reportagem de VEJA acompanhou o sobe e desce da família Cabral e da frota baseada na Lagoa. Na última quinta-feira, dia 4, o governador saiu de casa às 10h59 e chegou 15 minutos depois à Lagoa. Bateu papo e embarcou às 11h20 não no Agusta, mas no ‘que a Adriana não gosta’. O decola e pousa frequente do governador deixa à vontade outras autoridades para acumular milhas – e gastar fortunas. O peemedebista Paulo Melo, que preside a Assembleia e é o braço forte de Cabral no Legislativo, também é um voador habitual. “Ele vai e volta para Saquarema praticamente todos os dias num dos bimotores”, conta um piloto.
O que a família Cabral e as autoridades talvez não saibam é que, no comando das aeronaves e em terra, os abusos com o vai e volta pelo ar indignam quem testemunha a farra. “Existe o voo das babás. No domingo, depois que eles voltam de Mangaratiba, o piloto tem que voltar lá e buscar as babás. Isso tudo com o dinheiro do povo. É revoltante”, desabafa outro piloto. Um funcionário que acompanha o dia a dia das viagens aéreas detalha outras excentricidades: “Já aconteceu de tudo nessas aeronaves. Levaram cabeleireira, médico, prancha, os amigos dos filhos do governador, convidados. Uma vez, a babá veio de Mangaratiba para pegar uma roupa que a Adriana tinha esquecido. Na outra, uma empregada veio fazer compras no mercado. É o verdadeiro ‘helicóptero da alegria’”, indigna-se.
Sobre a necessidade de tantos deslocamentos diários pelo ar, a assessoria do governo do estado respondeu, por email, que “o governador usa o helicóptero do governo sempre que necessário para poder otimizar o seu tempo e poder cumprir todos os seus compromissos”. Os assessores não responderam sobre o alto custo desse tipo de deslocamento, mesmo em horários sem trânsito.
A respeito da compra do Agusta, o modelo mais luxuoso da frota, a assessoria de Cabral informou que “o cargo de governador de um estado tão importante quanto o Rio de Janeiro exige que o seu ocupante se desloque em aeronaves seguras”, e que esta serve para que ele possa também ir a outros municípios em áreas montanhosas – uma necessidade que o governador do estado de São Paulo, também montanhoso, ainda não percebeu.
O governo do estado não considera que as viagens até Mangaratiba sejam "a passeio": “O governador tem residência também em Mangaratiba, para onde precisa se deslocar com a sua família. Não é verdade que os helicópteros sejam usados por amigos. As babás, por vezes, viajam neles em companhia dos filhos do governador”, diz o e-mail.
Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid, Fabio Medina Osório enxerga na forma como as aeronaves são usadas pelo Executivo no Rio uma afronta ao princípio da razoabilidade. “Tem que haver finalidade pública para justificar o uso de um helicóptero dessa maneira. A distância para o Guanabara é curta e a questão da segurança não é problema, porque um governador tem à disposição veículos blindados e escolta. Para o uso em lazer, é ainda mais grave”, afirma.
Na última sexta-feira, dia 5, depois do protesto que terminou com pancadaria entre manifestantes e policiais no Leblon, o governador não usou as aeronaves para ir ao Palácio Guanabara. Também não foi de carro: "despachou de casa", informou sua assessoria.