A lista oficial de unidades que serão esvaziadas nos próximos meses inclui, além do QG, o 6º BPM (Tijuca) e o 2º BPM (Botafogo)
RIO - Com o início da desativação — e a contagem regressiva para a implosão — do prédio do Quartel-General da Polícia Militar, na Rua Evaristo da Veiga, no Centro, o Rio se prepara para um período de bota-abaixo dos batalhões da PM. A lista oficial de unidades que serão esvaziadas nos próximos meses inclui, além do QG, o 6º BPM (Tijuca) e o 2º BPM (Botafogo), que, juntos, somam 21 mil metros quadrados. Todos são ilhas de espaço no meio de bairros densamente ocupados. A medida já começa a provocar polêmica com os vizinhos, que temem a chegada de espigões, reclamam de não terem sido consultados sobre a venda e gostariam de ver esses espaços destinados ao uso público.
A demolição do QG, inicialmente marcada para 16 de abril, segundo o governo do estado, depende da mudança da corporação para o prédio da Uerj. A previsão é que o último PM saia de lá no dia 11 de agosto. Ou seja: no segundo semestre, tudo o que está de pé no terreno de 13,5 mil metros quadrados vai virar pó.
O primeiro negócio já foi concretizado: a venda do 2º BPM, na Rua São Clemente, que teve 2.391 do total de 3.440 metros quadrados comprados por R$ 38,7 milhões pela João Fortes. Até o próximo ano, a construtora deve lançar um empreendimento imobiliário no local. Já a área do QG, que chegou a ser cobiçada pela Petrobras, estaria avaliada hoje em R$ 336 milhões. Só com estes dois quartéis, o governo embolsará R$ 374, 7 milhões.
Ao comentar a venda do quartel de Botafogo, a arquiteta Andrea Redondo diz que o bairro, carente de áreas verdes, perdeu uma oportunidade de ganhar um espaço de lazer.
— O bairro praticamente não tem praças. Aquela esquina, próxima de bens tombados, como o Palácio da Cidade, e o Dona Marta, seria perfeita. Perdemos a chance de ganhar um respiradouro para o bairro que está tão adensado — critica a arquiteta, que foi presidente do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural de 2001 a 2007.
Sem receber informações oficiais sobre o novo capítulo da venda do QG — semana passada, uma nova tentativa de tombamento do edifício foi derrubada na Câmara —, moradores e comerciantes do Centro sonhavam ver o espaço revitalizado, transformado num centro cultural.
— Fizemos manifestações, abraçamos o prédio e fomos recebidos pelo comandante da PM. Entendemos que era preciso muito dinheiro para restaurá-lo, mas esse quartel podia ser um centro cultural, um museu, ou até uma escola pública de ensino médio, que faz falta no bairro. O absurdo é o estado se desfazer do terreno e destruir um prédio como aquele. Nem fomos consultados — lamenta Maria Helena Santos Oliveira, da diretoria da Associação de Moradores e Amigos do Centro.
A polêmica sobre o uso do espaço, acredita o arquiteto Cláudio Lima Carlos, professor do curso de Arquitetura da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, poderia ter sido resolvida com uma consulta à população que vive e trabalha no entorno dos quartéis:
— A princípio, penso que o melhor uso para o QG da PM seria a instalação de salas de cinema e de exposições. Mas é preciso saber o que a população gostaria, do que ela necessitaria.
Já a população de Botafogo, garante a presidente da Associação de Moradores, Regina Chiaradia, não queria mais um empreendimento imobiliário na Rua São Clemente:
— Se o governo não queria mais a metade do terreno, que nos doasse para construirmos uma bela praça pública.
Dos edifícios da lista do bota-abaixo, dois habitam o cenário há mais de um século: o prédio do QG, cuja construção foi a última obra pública inaugurada pelo Império, em 1889, e o do 6º BPM, que ocupa o antigo Quartel Regional do Andaraí, erguido na primeira década do Século XX, entre 1909 e 1910. Independente do valor histórico, arquitetos, urbanistas e moradores temem que eles sejam substituídos por torres comerciais ou condomínios. E questionam o porquê de os locais não terem sido usados para equipamentos públicos.
No caso da Tijuca, o terreno do batalhão da Rua Barão de Mesquita poderia solucionar um problema causado pelas obras do Maracanã, que exigirão a demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare:
— Não acho legítimo que o estado queira fazer caixa com um estoque fundiário importante para a cidade. A população do município precisa de equipamentos públicos. E esses terrenos poderiam abrigá-los — diz a professora Sônia Rabello, ex-diretora do Iphan.
O terreno do 23 º BPM (Leblon), que também poderá entrar nos planos de venda do governo, deve ser usado como canteiro de obras da Linha 4 do metrô (Zona Sul-Barra) até que o projeto fique pronto. A associação de moradores do bairro defende a transformação do local num parque, com espaço para prática de esportes.
Especialistas lamentam fim dos batalhões e dizem que a cidade perderá parte de sua memória
Ano passado, o governo do estado obteve na Assembleia Legislativa autorização para venda de 26 terrenos públicos, entre eles três ocupados por quartéis da PM. Com o anúncio da venda, teve início uma polêmica por conta da importância histórica dos prédios.
— O 6º BPM (Tijuca) é admirável arquitetonicamente, além do fato histórico de ter sido uma espécie de QG da repressão no Rio, como sede do DOI-CODI. O QG da Evaristo da Veiga, embora com muitas adulterações, pode ser recuperado, e, embora erguido em 1889, marca um local de importância histórica secular. O de Botafogo está totalmente adulterado. Se ninguém pensou antes em tombar a maioria desses exemplares, é porque eles pareciam fora de qualquer perigo. Um absurdo colocarem tudo abaixo — analisa Alexei Bueno, o ex-diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).
Há quem lamente que outros marcos da memória do Rio — como o prédio do 4º BPM (São Cristóvão), na Rua Francisco Eugênio, e o do extinto 1º BPM, na Avenida Salvador de Sá — também corram risco de virar pó. Os dois exemplares de arquitetura eclética, lembra o arquiteto Nireu Cavalcanti, foram desenhados por Heitor de Mello. Considerado um especialista em instalações militares, ele projetou outros batalhões, como o da Harmonia, na Gamboa, além do prédio da Câmara dos Vereadores e do edifício do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Rua da Relação, no Centro.
Para Cavalcanti, a demolição dos quartéis causará prejuízos à preservação da memória da cidade e da Polícia Militar.
— No caso do QG, ele é o sítio marcante da história religiosa fluminense. O terreno foi o palco do primeiro plantio de café da cidade, da última obra pública inaugurada pelo Império e morada de duas ordens religiosas: os barbadinhos e os carmelitas — diz Nireu, lembrando que a capela, reconstruída em meados do século XIX e dedicada a Nossa Senhora das Dores, única parte do prédio que não será demolida, fica aproximadamente no mesmo local daquela usada pelos frades. Procurado pelo GLOBO, o governo do estado informou que não comentaria a venda dos quartéis.
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