quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Greve de policiais e bombeiros é reprimida no Rio com prisões e ameaças nos quartéis


A greve das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, iniciada à 0h desta sexta-feira, pode ser percebida pela população minutos após ser decretada pela assembleia unificada que reuniu, na Cinelândia, Centro da cidade, cerca de 3 mil policiais militares, civis e bombeiros, na noite passada. As viaturas do patrulhamento ostensivo foram recolhidas aos quartéis, em sua maioria, e a cidade amanheceu – sob forte nevoeiro – sem a presença característica da PM em vários pontos onde permaneciam estacionadas. Nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instaladas em favelas antes dominadas pelo tráfico, a orientação do comando de greve foi para que a guarnição ficasse aquartelada, para proteger o patrimônio público, mas reduzisse a 30% a sua atividade de vigilância. O mesmo nível operacional passou a valer também para os bombeiros e os policiais civis, nas delegacias do Rio.
A guerra de informações, no entanto, começou já durante a madrugada. Enquanto os grevistas afirmavam que as tropas da PM, dos bombeiros e o efetivo da polícia civil fluminense haviam reduzido, sensivelmente, as suas operações, o Comando da Polícia Militar liberou, nas primeiras horas da manhã, uma nota na qual afirmava que “na madrugada desta sexta-feira todas suas unidades estão em pleno funcionamento, contando inclusive com o apoio de policiais do BOPE e do BPChq no patrulhamento. Não há paralisação de nenhum tipo de serviço para o cidadão. A Polícia Militar reitera seu compromisso com a segurança da população do Rio de Janeiro”.
Militar do BOPE, no entanto, falando em condição de anonimato aoCorreio do Brasil, garantiu nesta manhã que o efetivo do Batalhão estava todo no quartel e nenhuma saída foi realizada ou estava prevista e, ainda assim, somente ocorreria qualquer atividade desde que fosse avaliada em conjunto com o comando de greve. Situação idêntica se verificou no BPChq. Nos batalhões de números 19º (Copacabana) e 23º (Leblon) porém, segundo informaram os responsáveis pelas salas de operação, a situação era normal, sem nenhuma adesão à greve. A mesma situação foi observada no 2º BPM (Botafogo), um dos maiores da Zona Sul do Rio.
– No período da manhã houve uma certa movimentação, mas logo em seguida tudo voltou ao normal. O pessoal aqui não aderiu à greve não – afirmou o sargento Ignácio, adjunto ao comando.
No interior do Estado, porém, segundo apurou o CdB, a situação se invertia, com a paralisação maciça dos quartéis. De Campos dos Goytacazes a Resende, segundo balanço realizado durante a primeira manhã na greve das forças auxiliares do Estado do Rio, a adesão ao movimento chegava a 70%, segundo avaliação independente. Em parcela da capital, notadamente nas zonas Norte e Oeste, segundo balanço do comando de greve, o apoio não era superior a 30%.
Em resposta aos grevistas, o governo estadual publicou, nesta manhã, uma alteração das regras do Conselho de Disciplina que endurece o tratamento aos infratores nas penas previstas no código de conduta da PM e do Corpo de Bombeiros:
“O Governo do Estado publica hoje em edição extraordinária do Diário Oficial, o Decreto nº 43.462, que modifica o Decreto nº 2.155, de 13 de outubro de 1978, que regula o Conselho de Disciplina da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. Aos Conselhos de Disciplina de ambas as Instituições compete julgar infrações graves de Aspirante a Oficial e praças policiais militares e bombeiros militares com estabilidade no serviço público, que possam levar à sua expulsão. O Decreto diminui o prazo de que o Conselho de Disciplina dispõe para a conclusão dos seus trabalhos de 30 dias para 15 dias, diminui o prazo que tem a autoridade nomeante para proferir a sua decisão de 20 dias para 05 dias, diminui o prazo de recurso contra a decisão que determina a aplicação da penalidade de 10 dias para 05 dias e diminui o prazo que tem o Secretário de Estado para julgar o recurso de 20 dias para 07 dias. O Decreto ainda dispõe que cabe ao Secretário Titular da Pasta a que pertencer o praça avocá-lo e, justificadamente, dar solução diferente, prerrogativa que antes cabia apenas ao Secretário de Segurança”, diz a nota.
Prisão de líderes
Além do decreto que facilita e amplia a punição aos militares em greve, no Estado do Rio, a Justiça Militar expediu 11 mandados de prisão contra líderes do movimento deflagrado na noite passada. Porta-voz da Polícia Militar, o coronel Frederico Caldas voltou a garantir que os serviços estão mantidos, integralmente, e os comandantes se faziam presentes em todas as unidades. A veracidade da afirmação, no entanto, ainda precisa ser confirmada por fontes independentes.
– Montamos um gabinete de gestão e todas as viaturas estão sendo monitoradas. Estamos com um reforço do Bope para dar uma sensação de segurança maior – disse o coronel a jornalistas, pela manhã. Ele também adiantou que nenhum policial das UPPs havia aderido à greve, informação que também precisa ser confirmada.
O coronel Caldas informou, ainda, que o governo do Estado do Rio dispensou qualquer ajuda por parte das Forças Armadas no Rio de Janeiro. O número de incidentes, porém, vem aumentando ao longo do dia, tanto na capital quanto na região metropolitana. O ataque a uma viatura da PM, na Avenida Brasil, Zona Oeste da cidade, foi registrado no Centro de Operações da PM durante a madrugada e, ainda sem confirmação, também a tentativa de assalto a duas agências bancárias na Zona Norte.
– A realidade que o Comando da PM não quer mostrar é que há um movimento de greve em curso por parte dos soldados, cabos, sargentos e oficiais que, por força de nosso Estatuto, se mantém quase invisível. A população do Rio pode saber, com certeza, porém, que a situação está longe da normalidade – afirmou um dos líderes grevistas, em condição de anonimato.
Diante de um quadro de instabilidade e sem uma solução jurídica para a prisão do principal líder do movimento grevista, o cabo Benevenuto Daciolo, a greve no Rio ganha contornos diferentes de movimento similar em curso na Bahia. A presença de um militar no presídio de segurança máxima de Bangu I e a perseguição aos demais líderes do movimento apenas piorou, ainda mais, os ânimos dos PMs e bombeiros em greve.
– Não se iludam. Se o governador (Sérgio Cabral Filho) não conversar com o movimento e insistir em ampliar as medidas repressivas, o carnaval deste ano, no Rio, praticamente acabou – acrescentou aquele militar em greve.
Ainda sem uma solução jurídica à vista, a defesa de Daciolo sequer teve acesso, ainda, ao processo.
– Estamos exigindo o acesso aos autos, para que possamos exercer o direito de defesa de Daciolo. O que houve foi uma prisão política e arbitrária, contra a qual pretendemos recorrer tão logo consigamos uma cópia do processo – afirmou o advogado Marcos Novaes.
Um dos blocos carnavalescos mais antigos e famosos do Rio, o Cordão da Bola Preta resolveu manter o desfile, pelas ruas do Centro do Rio, nesta sexta-feira, mas “seja o que Deus quiser”, desabafou um dos dirigentes da agremiação.
– Sabemos que a situação está muito perigosa – acrescentou.
Reivindicações
polícia
Mulher do bombeiro militar Datolo, Cristiane teme pela vida do marido
A greve decidida em assembleia conjunta entre as polícias Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio visa o aumento salarial até um piso de R$ 3,5 mil, auxílio-transporte e alimentação de R$ 350, jornada de 40 horas semanais e a libertação de Daciolo. Mulher do líder do movimento, Cristiane Daciolo teme pela vida de seu marido e relata que uma de suas filhas, Manoela, de quatro anos, já apresenta sinais de pânico sem a presença do pai.
– Está um desespero isso. Meu marido segue preso em uma cadeia cheia de bandidos comuns. Ele não é bandido, é herói! É um bombeiro! O tratamento a que ele tem sido submetido é semelhante ao de um marginal. Ele está incomunicável. Nem eu, nem os advogados, tiveram acesso ao local onde ele está detido, no presídio de Bangu I – relata Criatiane, visivelmente emocionada.
Repercussão
policia
A CNN alerta para o risco de violência generalizada durante o carnaval
Somada aos desmoronamentos e explosões ocorridas recentemente, no Rio, a greve dos policiais militares, civis e bombeiros se transformou na pauta do dia para o noticiário internacional sobre o Brasil, que questiona a decisão da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e do Comitê Internacional das Olimpíadas (COI) pela escolha da cidade como sede de dois dos principais eventos desportivos do planeta. O diário norte-americano The New York Timesapontou a situação no Nordeste, onde foram registrados 142 homicídios durante a greve na Região Metropolitana de Salvador, mais do que o dobro no mesmo período do ano passado. O título da reportagem diz: “Greve da polícia por brasileiros faz férias parecerem uma ameaça”.
NY Times ainda compara as situações de Salvador e Rio. “Uma greve poderia ser ainda mais tumultuada no Rio de Janeiro, especialmente durante o Carnaval no final deste mês, quando multidões de visitantes enchem as ruas e a criminalidade é uma preocupação, mesmo quando a força policial regular está funcionando”, diz a publicação.
O tom de apreensão foi repetido pela rede norte-americana de TV CNN. Em matérias reprisadas ao longo desta sexta-feira, a emissora lembra que a greve “a apenas uma semana do carnaval, aumenta o medo de crimes contra turistas durante os desfiles das escolas de samba e nos blocos de rua”.
JORNAL CORREIO DO BRASIL

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