Sobre a democracia e o revanchismo
Aurélio Munhoz18 de junho de 2011 às 11:49h
Este artigo exige um esclarecimento inicial. Para que os leitores da Carta Capital não me rotulem de ser discípulo do regime de caserna, que governou o Brasil por 21 anos, explico: humanista convicto, sou um crítico ácido de toda forma de violência, opressão e autoritarismo. Logo, também condeno com veemência o bizarro leque de atrocidades cometidas pelas forças policiais nas ruas, delegacias e presídios brasileiros.O esclarecimento é necessário porque o objetivo deste artigo é defender o direito dos cidadãos de farda de se manifestarem livremente na sociedade. Já é hora de termos a coragem e a maturidade de repensar nossos conceitos – e nossas leis – sobre as categorias militares. Por mais vis que tenham sido seus crimes do passado (tanto quanto são os do presente), pelos quais seus responsáveis devem ser rigorosamente punidos, os militares não podem ser satanizados ad eternum.Devem ser tratados da mesma forma que os civis – e, portanto, ter os mesmos direitos e deveres que eles. Não há razoabilidade na idéia de que constituem uma categoria distinta da sociedade, cuja tarefa se constitui somente em sacar maldades da cartola contra os civis, ainda que muitos o façam. Não duvidem: há gente boa entre eles.Quero acreditar que uma delas é o soldado Rogério Weiers, da PM de São Paulo. Em 2004, o soldado teve a única e humilde casa que possuía penhorada pela Justiça para cobrir o prejuízo material que causou quando bateu sua viatura contra o veículo de uma família, durante perseguição a um suspeito. A Lei 8.009, que impede a penhora do imóvel onde uma família reside, foi jogada às traças neste caso exemplar de cegueira dos homens de toga.Sim, a inspiração deste artigo foi a lamentável teia de acontecimentos relacionada ao levante dos 440 bombeiros na cidade do Rio de Janeiro. Deles, em nome da audiência e da defesa da exigência constitucional que lhes nega o direito de se rebeliar, falou-se tudo na intenção de puni-los pela rebeldia de exigir melhores condições de trabalho.Foram apresentados à sociedade brasileira como “covardes”, “irresponsáveis” e “vândalos” , nas palavras raivosas vociferadas aos microfones da mídia carioca, com inigualável teatralidade, pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, no Palácio Guanabara. Deveria ter dito, também, que policiais do Batalhão de Choque da PM foram ameaçados por apoiar o grupo, por ordem dos seus superiores. E que recai sobre seus ombros a principal carga de responsabilidade pelo fato de o problema não ter sido solucionado, nos seus quatro anos anteriores de mandato.É verdade que, no desespero da causa que defendiam, muitos dos 440 bombeiros cariocas cometeram o crasso equívoco de levar esposas e filhos ao local da rebelião e de depredar mobiliário público. Mas há quem faça coisa bem pior com os tostões alheios, sem no entanto receber a pecha de baderneiro e inconsequente.Não se pode classificar de “covarde” e “irresponsável” quem ganha seu pão de cada dia salvando vidas em troca de R$ 950 mensais – o menor salário da categoria no Brasil. Esta é a razão pela qual deve-se perguntar se as declarações do governador são expressão legítima dos ventos que emanam da maioria da sociedade ou do mais genuíno e demagógico oportunismo político.Ainda mais quando se sabe que esta mesma categoria do bombeiros, segundo sondagem nacional feita pelo Ibope em 2009 por meio do Índice de Confiança Social, ficou em primeiro lugar em uma disputa com outras 17 instituições. Só para constar: os políticos, como Cabral, ficaram em último. Se os bombeiros merecem tanta confiança da sociedade, merecem, igualmente, a sua anistia, que será apreciada esta semana pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
O revanchismo, decididamente, não é um aliado da democracia. É cúmplice da vingança, do preconceito, da ignorância e do ódio. Os mesmos elementos que, de maneira sórdida, fundiram-se para garantir os longos anos de chumbo aos quais nos referimos no início deste artigo.
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