domingo, 26 de dezembro de 2010

Mário Sérgio Duarte: 'Mais investigação, mais inteligência, menos força'

Rio - O apoio das Forças Armadas na ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, mês passado, não foi à toa. Ao pedir o reforço dos blindados que passaram sobre carros e barricadas como folhas de papel, a PM tinha ciência de suas próprias limitações. Por isso, um dos principais objetivos do comandante-geral, coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, para 2011, é melhorar a frota dos caveirões, substituindo os veículos que ele classifica como obsoletos e comprando modelos diversificados. Em entrevista a O DIA, o oficial fala ainda sobre desafios na ocupação das comunidades, a contratação de PMs reformados como instrutores e a criação de convênios com prefeituras para elevar a remuneração dos policiais — e revela projetos ousados, como a venda do Quartel-General da corporação.

O DIA: A PM não entrava no Complexo do Alemão há três anos. Isso contribuiu para um número tão grande de traficantes refugiados lá? Essa estratégia de isolá-los foi positiva para o resultado da operação?
MÁRIO SÉRGIO: Com o avanço das UPPs, um sem-número de lideranças foi para o Alemão. Aqueles que estavam lá tiveram sua fileira engrossada pelos líderes. Quando fugiram levando suas armas, aquela foi a chance de a gente tirar deles a massa das suas armas, da sua economia. Quando caem Vila Cruzeiro e Alemão, não está caindo só a fortificação física, mas a fortificação psíquica. Todo o edifício de crenças deles ruiu. Isso não significa que acabou o Comando Vermelho, eles estão tentando se reorganizar, o que vai ser bastante difícil se nós não permitirmos.
Por que, após a tomada do Alemão, não foi mantida uma ocupação permanente no Complexo da Penha?
As informações não eram indicadoras de que deveríamos ter uma ocupação lá. Mas tínhamos, sim, presença policial praticamente todos os dias realizando operações.
Mas os moradores reclamam que criminosos continuam vendendo drogas e até promovendo baile funk.
A pacificação implica em entrar no território, permanecer e não ter mais a exibição do narcotráfico naquele modelo em que eles se impunham para escravizar e dominar a população. Não temos a crença de que podemos acabar tanto com a demanda quanto com o comércio de drogas. Acreditamos que, mesmo nas áreas onde já tem Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o comércio de drogas vai continuar existindo. A questão é que uma venda de droga com formato diferente, exige protocolos diferentes da polícia. Mais investigação, mais inteligência, menos força. Serviço de polícia convencional.
Isso significa que a PM passa a atuar mais com investigação e menos força?
Se na Vila Cruzeiro ainda existem locais de venda de drogas, vai ser muito mais fácil trabalhar com investigação para prendê-los. E é o que estamos fazendo. Porque aquela estrutura tinha ali há 20, 30 anos e agora vai passar a ter uma certa normalidade. E com o comércio das drogas — de forma totalmente diferente, sem os fuzis, a munição —, vamos agir de uma forma diferente, com a inteligência e a prevenção.
Já foram definidas as próximas UPPs?
O que é preciso entender é que o projeto de ocupar morro não é só UPP. Vamos fazer também companhias destacadas. Já temos no Morro Azul, vamos fazer no Camarista Méier e em outras áreas, que não têm características que exigem uma UPP e que vão receber quartéis descentralizados.
O governador quer mais 7 mil novos PMs até o fim do ano. Como formar tanta gente sem perder a qualidade do treinamento?
Estamos construindo duas novas companhias pedagógicas no Cefap, para o início do ano. Vamos fazer também a contratação de pessoal, professores e instrutores entre os militares da reserva, para produzir as quantidades necessárias de pessoas para formar esses novos homens. Se tenho uma questão, tenho um desafio e não um problema.
E esses efetivo será todo empregado no patrulhamento nas ruas?
Parte vai para as UPPs, parte para as ruas. Se observar as ruas, já dá para ver um número de policiais hoje que não tinha antes. As pessoas comentam: “Caramba, o policiamento nas ruas voltou”. E a população começou a sentir mais porque tem mulheres, né? As mulheres se destacam no policiamento a pé. Essa é a ideia.
Quais são as principais deficiências da PM hoje?
A corporação avançou muito nos últimos anos em termos de equipamento, mas ainda há muito o que fazer. Se me perguntar o que tem de deficiente, rapidamente vou responder: os nossos blindados. A frota está obsoleta. Nossos blindados são carros de transporte de valores adaptados a uma situação que, nos primeiros anos, serviu. Mas os criminosos adotaram condutas que inviabilizaram nossos blindados para toda situação.
E qual a previsão de substituição desses blindados?
Precisamos substituir 80% da frota (hoje há 18), mas não vamos descartar os que temos. Vamos adquirir mais, diversificados, para aumentar a frota com outras possibilidades. Temos um blindado russo em teste com o Bope e outros que deverão chegar. A necessidade não é de um único tipo, mas blindados bem menores para transporte de seis homens; para realizar o patrulhamento em áreas onde há muitos roubos de carros e os criminosos usam armas de guerra; blindados para empurrar obstáculos pesados, vencer buracos.
Isso faz parte dos investimentos para a Copa e as Olimpíadas?
Temos investimentos na ordem de R$ 1,5 bilhão até 2016. Aí a gente pensa em tudo: parte terrestre, apoio aéreo, aeronaves não tripuladas, tecnologia de informação que implica em câmeras, etc. Além de coisas simples, como a compra das pistolas e coletes, para que cada policial tenha seu equipamento.
As UPPs têm bons efetivos, mas a população ainda reclama da ausência de policiamento pela cidade. Como resolver?
Trabalhamos com outras frentes para reforçar o policiamento, como a proposta que trouxemos de São Paulo da atividade delegada. É um convênio com prefeituras para contratar policiais de folga, que trabalham uniformizados. Em vez de vender sua força de trabalho na folga para o Seu Manoel da padaria ou alguém que não esteja dentro da legalidade, ele vende para as prefeituras. Temos três interessadas: Rio, Rio das Ostras e Búzios.
É o fim do ‘bico’?
Nos permite sonhar com o policial fazendo serviços que não o desqualifique, e é o fim da privatização da segurança pública. Tem muita gente hoje envolvida com segurança privada e trabalhando na segurança pública. O policial desse projeto em São Paulo chega a ganhar R$ 1.500. É um outro salário.
Com a reeleição do governador, quais os seus planos na PM?
Sou um soldado. Não sou convidado, sou convocado. Se o governador mantiver a convocação, o soldado estará a postos, claro. Temos muitos planos, principalmente o Centro de Operações Especiais. Estamos buscando uma reengenharia de quartéis, unidades com autossustentação, remanejar unidades. Tecnologias serão adquiridas para a polícia ser mais ágil na consulta de informações. Outra ideia é vender o Quartel-General, com objetivo de quem comprar manter a história, porque a igreja, por exemplo, não é tombada. A ideia é ter um quartel vertical, mais moderno, com menos espaço, menos gente e colocar mais esse pessoal administrativo para serviço de rua.
De que forma a polícia vai trabalhar para diminuir os chamados roubos de rua (veículos, pedestres, celulares) que tanto assustam a população?
O que temos que indica se o crime de rua tem crescido ou diminuído? Os aspectos quantitativos, há 15 meses, indicam que caiu. E temos a constatação do policial nas ruas. Recebemos cartas da população agradecendo, as pessoas estão vendo. Aumento do efetivo na rua é uma necessidade dos tempos, que vai existir sempre. A presença do policiamento a pé é a redução dos crimes em manchas onde aparecem. Pensamos que a massa policial tem que estar onde o crime acontece. A preocupação é cada vez mais aumentar o policiamento a pé.
Existe a possibilidade de alguns desses blindados que serão comprados patrulhar vias que ficam em áreas onde têm ocorrido arrastões?
Eu não diria arrastão, até porque são roubos de oportunidade. Não dá para usar blindados nas vias expressas, isso é área de patrulhamento com viaturas. Os blindados são para transitarmos onde o tráfico ainda mantém domínio territorial. No futuro, da mesma maneira que não vamos precisar do fuzil, não vamos precisar dos blindados. O Rio vai ter polícia fazendo segurança pública, e não a polícia entrando num conflito armado como se vê durante anos e as autoridades se negaram a reconhecer.
O senhor acredita que, pela localização na Zona Sul, haverá mais dificuldade para ocupar a Rocinha?
Não quero falar de dificuldades. Mas da mesma forma que falei sobre os criminosos do Complexo do Alemão, a hora da Rocinha vai chegar.
O DIA - POR VANIA CUNHA

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